20101201

A sombra do que fomos, Luís Sepúlveda

Voltou às palavras cruzadas. Seis letras, cidade do País Basco.
- Bilbau, sai sempre. Porque não pões palavras inteligentes que tenham a ver connosco? Por exemplo, dez letras: campo de concentração de onde, se te levam de noite, nunca mais apareces: Puchuncaví. Oito letras: o que sentes quando os teus velhos vão visitar-te à prisão e te dizem que o teu irmão Juan morreu crivado de balas numa lixeira: tristeza. Seis letras: o que sentes se ao abrir um buraco na terra, encontras três esqueletos com as mãos amarradas atrás das costas e um deles tem calçado os sapatos do teu irmão Alberto: raiva.

Inamovível país da memória. Incorruptível como um seio de Santa Teresa ou um filme de Roger Vadim.

E tudo o que esteve grávido de futuro ficou, de repente, envenenado de passado.

Mensagem de gerundio@hotmail.com para:
blacpanther@hotmail.com
Alegra-me saber de ti, eu regressei há pouco menos de meio ano (...) De que se trata? Parece-me muito misterioso, tudo isto. E, por favor, não me escrevas com gramática de jovenzinho analfabesta. Quero é com q e não com k, e também escreve-se com todas as letras.

(...) os rapazes de Chaihuín queriam aprender a lutar para serem livres, tal como o fará toda essa gente que se arrisca para que Allende ganhe. Querem ser livres. Eu sou diferente, chui. eu luto para não me esquecer de que sou um homem livre.

(...) o camarada tem de digerir as suas ideias e para isso é necessário que as meta no corpo. Tu escolhes, ou comes as folhas uma por uma até à última ou metemos-te-las pelo rabo. (...)
O sabor a tinta de mimeógrafo durou meses. (...)
- Comi todos os panfletos. Durante muito tempo a minha namorada disse que beijar-me era como beijar Gutenberg.

Vou dar-te um conselho: aproveita o tempo e estuda electrónica porque a guerra há-de ser com arames e coisas minúsculas.

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