20100110

O Mundo depois de Copérnico, Lia Formigari

As aquisições da sociobiologia, acrescentava, não desencorajam as reformas sociais tal como a descoberta que a miopia é hereditária não desencoraja as pessoas a usar óculos.

Ruth Benedict, em Modelli di cultura, resume «Em toda a sua história o homem defendera a sua unicidade como um ponto de honra. Na época de Copérnico, esta pretensão à supremacia era tão impositiva que se estendia à terra em que vivemos, e o século XV recusou-se, apaixonadamente, a acreditar que o globo terrestre é apenas um planeta do sistema solar.
No tempo de Darwin, como teve de ceder o sistema solar ao inimigo, o homem combateu, com todas as armas em seu poder, pela exclusiva posse de uma alma, atributo de natureza incognoscível concedido por Deus ao homem, de um modo que demonstra que o homem não descendia do reino animal.

A matéria é, pois, infinita e constitui mundos infinitos, alguns dos quais são até, talvez, melhores do que o nosso e habitados por seres racionais melhores do que nós.

Pensamentos, de Blaise Pascal (1623-1662):
«Que o homem contemple, a natureza inteira na sua alta majestade e afaste os olhos dos objectos mesquinhos que a rodeiam. Observe aquela luz deslumbrante, colocada como uma lâmpada eterna para iluminar o Universo; e a terra lhe surja como um ponto em comparação com o amplo circuito que aquele astro descreve; e se espante com o facto de que aquele mesmo vasto circuito não ser mais do que um ponto minúsculo em proporção com o espaço abrangido por todos os outros astros a girar no firmamento. (…) Todo este mundo visível não é mais do que um traço imperceptível no seio da natureza. (…) Podemos alargar as nossas concepções para lá dos espaços imagináveis: não geramos mais do que átomos em comparação com a realidade das coisas. É uma esfera cujo centro se encontra por todo o lado, a circunferência em nenhum lugar […]
«E agora o homem, depois de ter regressado a si, considere aquilo que é em comparação com o que existe; encare-se como perdido neste remoto recanto da natureza; e deste pequeno cárcere em que se encontra encerrado, refiro-me ao universo, aprenda a estimar, no seu justo valor, a terra, os reinos, a cidade e a si próprio. O que é um homem no infinito?»

Voltaire escrevia no seu Dicionário filosófico, «... o céu não existe: há uma quantidade prodigiosa de astros a errar no espaço vazio, e o nosso globo gira nele como os outros». Somos o céu dos habitantes da Lua. Para o bicho da seda o céu é a teia que lhe envolve o casulo.

Holbach celebra com expressões de entusiasmo os grandes eventos cósmicos,... «A natureza, com as suas combinações gera sóis que se vão colocar no centro de outros tantos sistemas; produz planetas que, pela sua própria essência, gravitam e descrevem as suas revoluções, à volta daqueles sóis; a pouco e pouco, o movimento altera uns e outros; aquele dispersará um dia, talvez, as partes com que compôs estas massas maravilhosas que o homem, no curto espaço da sua existência, não faz mais do que entrever, de passagem.»

Graças ao movimento, diz Holbach no seu Sistema da Natureza, verifica-se «uma transmigração, uma transformação, uma circulação contínua das moléculas da matéria. A natureza tem necessidade, em determinado lugar, daquelas que tinha colocado num outro por certo período de tempo; estas moléculas, depois de terem, por meio de combinações particulares, constituído seres dotados de essência, de propriedades, de modos de agir determinados, dissolvem-se ou separam-se, com maior ou menos facilidade, e, combinando-se de um novo modo, formam-se novos seres. O observador atento […] vê a natureza cheia de germes errantes, dos quais alguns se desenvolvem, enquanto outros esperam que o movimento os coloque nas esferas, nas matérias, nas circunstâncias necessárias para os ampliar, acrescentar, tornar mais sensíveis, com o acrescento de substâncias ou matérias análogas ao seu ser primitivo.»
(…)
«Da pedra formada nas vísceras da terra, através da combinação íntima de moléculas análogas e similares, que se aproximaram umas das outras, até ao sol, esse vasto reservatório de partículas inflamadas, que ilumina o firmamamento; do molusco entorpecido até ao homem activo e pensante, vemos uma progressão ininterrupta, uma cadeia perpétua de combinações e movimentos, da qual derivam seres diferentes entre si devido, apenas, à variedade das suas matérias elementares, das combinações e proporções desses mesmos elementos, dos quais, nascem modos de existir e de agir infinitamente diversificados.»

Diderot descreve «... se o primeiro homem tivesse a laringe fechada, se não tivesse encontrado alimentos convenientes, se tivesse tido uma deficiente conformação dos órgãos genitais, se não tivesse encontrado a sua companheira, se se tivesse acasalado com seres de outras espécies, […] que teria sido do género humano?...»

No Sonho de d'Alembert, outro texto de Diderot,... «Todos os seres circulam uns nos outros […], tudo é um perpétuo fluir […] Todo o animal é, mais ou menos, homem, todo o mineral é, mais ou menos, planta, toda a planta é, mais ou menos, animal […] Toda a coisa é, mais ou menos, uma qualquer outra coisa, mais ou menos terra, mais ou menos água, mais ou menos ar, mais ou menos fogo, mais ou menos pertencente a um outro reina da natureza […] Nada mais existe do que um único grande indivíduo: o todo.»

Holbach «Sóis apagam-se e secam, planetas extinguem-se e dispersam-se nas regiões áridas; acendem-se outros sóis, formam-se novos planetas (…) E o homem, porção infinitamente pequena do globo, (…) acredita ser para ele que o Universo é feito, (…) proclama-se o rei do Universo!»

A felicidade exige o esclarecimento dos intelectos, e esclarecimento significa tolerância.

O facto de existirem homens na América não nos deve surpreender mais do que o de existirem moscas.

Na História Filosófica e Política das Colónias e do Comércio dos Europeus nas Duas Índias, Guillaume-Thomas Raynal: Foi a partir daí que os homens dos mais distantes países se aproximaram, graças a novas relações e necessidade. Os produtos dos climas equatoriais consomem-se nos climas próximos dos pólos, a indústria do Norte é levada para o Sul, os estofos do Oriente tornaram-se o luxo dos ocidentais; e, por toda a parte, os homens trocam, uns com os outros, opiniões, leis, usos, doenças, remédios, virtudes e vícios».

«(…) prossegue Rousseau -, segue-se que a mulher é especificamente feita para agradar ao homem». (…) A mulher deve ceder ao desejo e à vontade do homem, mas também deve ser hábil e subtil ao ponto de suscitar no homem aquele desejo e aquela vontade a que ela, depois, deverá ceder e, também, suficientemente astuta para nunca o deixar perceber se cedeu porque o que queria fazer ou porque era demasiado fraca para resistir. Em suma, «aquilo que é mais doce para o homem na sua vitória é o duvidar se é a fraqueza que cede à força ou se é a vontade que se rende...»

Se não se inculcasse uma distinção dos sexos antes ainda de se manifestar a diferença instituída pela natureza, meninas e meninos teriam as mesmas brincadeiras.

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